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quarta-feira, 5 de março de 2008

O TGV e a Ota

por António Brotas professor jubilado do IST

A sigla TGV tem induzido em erro a população portuguesa. A questão central do nosso problema ferroviário é mais a da bitola e das mercadorias do que, propriamente, a dos passageiros e da Alta Velocidade. Portugal precisa, sob pena de se transformar numa ilha ferroviária, de ter uma rede de bitola europeia (mais estreita do que a ibérica) convenientemente ligada à Espanha, em que algumas linhas deverão permitir o trânsito de comboios de alta velocidade e outras não. A ocasião para a começar a construir é agora. Esta rede terá de coexistir , durante talvez duas ou três décadas, com a actual rede de bitola ibérica mas, desde já, deve ser olhada como a nossa rede do futuro. Num futuro próximo, quando a Espanha mudar a bitola das suas principais linhas, é ela que permitirá o trânsito das nossas mercadorias para a Europa.

Assim, o debate sobre o TGV, ou seja, sobre a Alta Velocidade, é um debate pendurado do ar quando é ignorado o problema das mercadorias. Por um outro lado, as propostas de melhoria da rede actual que alguns propõem e, nalguns casos, se justificam, como, por exemplo, no caso da linha do Oeste, revelam uma grande cegueira quando apresentadas como alternativa ao TGV porque ignoram a nossa necessidade absoluta da rede de bitola europeia.

Desta dupla ignorância resulta que o debate ferroviário apresentado ao grande público tem sido duplamente falseado, o que está na origem de algumas propostas mais ou menos descabidas que vemos aparecer . Por exemplo, a de que a futura linha de Aveiro à fronteira não deverá ter uma estação na Guarda, mas em Vilar Formoso, e a de que, no Alentejo, o TGV (e não unicamente a bitola europeia) deverá chegar a Sines. Mas isto são problemas locais, que se resolverão por si na devida altura.

O grande problema, neste momento, é o das prioridades. Vamos dar prioridade a uma linha TGV de Lisboa ao Porto de bitola europeia, desligada da Espanha, que, provavelmente, não contribuirá em nada para a nossa economia, ou vamos dar prioridade às linhas de bitola europeia de Aveiro a Vilar Formoso e de Lisboa a Badajoz, esta de alta velocidade, que nos ligarão à Europa e que, internamente, se poderão conjugar com os acessos ferroviárias às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto?

No caso de Lisboa, o problema concreto que teremos de resolver é o da travessia ferroviária do Tejo. Todos os outros problemas ferroviários do Sul do país dele dependem e ficam singularmente simplificados se o soubermos resolver bem. Parece-me ser, assim, esta travessia e a linha para Badajoz a nossa primeira prioridade. O interesse é simultaneamente nosso e dos espanhóis, o que deve facilitar os financiamentos.

Um outro problema em que a desinformação é grande o do NAL - Novo Aeroporto de Lisboa. Precisamos, sem dúvida, de um novo aeroporto para substituir ou para complementar o da Portela. Mas este novo aeroporto não é urgente e deve ser pensado para servir o Sul do país durante pelo menos mais um século. É portanto urgente pensar nele.

A Ota não serve porque é um espaço acanhado ladeado por elevações, que nunca permitirão a expansão de um futuro aeroporto. (Ver folha 30 D da Carta Geológica de Portugal). Há poucos dias, o Professor José Manuel Viegas, do IST, afirmou na televisão que se um aeroporto na Ota estiver construído em 2015 estará saturado em 2035. Alertei o Eng. António Guterres para este mesmo problema numa carta publicada no "Público", em 26 de Junho de 1999.

Se construirmos o aeroporto na Ota não poderemos, depois, construir nenhum outro, porque não haverá privados que aceitem entrar na construção do NAL sem terem assegurado o exclusivo dos novos aeroportos, pelo menos no Sul. O país poderá definhar, mas, para os proprietários do aeroporto, o que mais rende é um aeroporto saturado.

Um aeroporto na Ota significa, assim, abdicarmos das condições para termos no país um hub - um vértice da rede mundial de malha larga da aviação comercial -, o que exige um aeroporto com grandes possibilidades de expansão. Curiosamente, o industrial Henrique Neto, que defendeu vigorosamente no programa "Prós e Contra" da televisão o interesse deste hub, é um acérrimo partidário do aeroporto na Ota que o inviabiliza.

Na margem esquerda do Tejo há diversos locais em que podem ser construídos aeroportos com amplas possibilidades de expansão, mais baratos, com maior segurança aérea, melhores possibilidades de acesso e que podem ser construídos de um modo faseado. Quase só por masoquismo podemos insistir em construir o NAL num local da margem Norte que nos atrofia e com inúmeros inconvenientes e dificuldades. Se o fizermos, os espanhóis, surpreendidos, agradecerão, porque lhes oferecemos de mão beijada uma larga zona de influência para o seu Aeroporto de Badajoz, que terá, então, boas condições para se desenvolver.

O fenómeno brigantino

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